domingo, 8 de novembro de 2009

Depoimento de Luly - Maria Lucia Lacerda Coelho de Paula







Fernando Coelho de Paula
Marcelo Coelho de Paula
Luly montada no Chiquinho

“Paraizo, o que foi o meu Paraizo? Férias, que emoção. Passar tempo no casarão, que alegria. Ver árvores, plantações, um luar, uma cachoeira chamada Buracão, onde tinha carrapatos e uma imensa emoção como se estivéssemos fazendo um safári na África.

Mamãe me trouxe para cá a primeira vez com seis meses. Eu sempre brinco que eu não sou nem sãocarlense nem paulista.

As jabuticabeiras que se enchiam de frutas. Eu era chamada para encher as cestas que eram mandadas pelo trem para os amigos paulistanos: jabuticaba era um fruto que nos deliciava. Era uma razão para convidar amigos, era a fruta das fazendas paulistas.

Papai, de polainas e chapéu, ia ver o serviço da fazenda a cavalo e eu ia com ele do casarão até o Alto do Jabaquara onde ainda tinha café. Foi cortado quando o vovô Cândido cedeu aquela área para nosso primo muito querido por nós, especialmente por meu pai, Caio Paranaguá Moniz, filho de tia Evangelina e tio Alfredo.

Papai e mamãe não tiveram filhos durante os dez primeiros anos de casamento, então o Caio, filho de Tia Vangila era queridíssimo deles, assim como todos esses sobrinhos. O Caio e o Jica eram mesmo muito queridos deles. Caio foi trabalhar no Paraizo para plantar algodão.

Nessa época começou a erradicação dos cafés, foi para nós uma novidade ver o algodão crescer no Alto do Jabaquara. [1939 mais ou menos].

Abrindo um parênteses. A família de Tia Vangila teve uma vida com muitas restrições porque o tio Alfredo ficou paralítico muito jovem. O Caio contava que manteiga eles só comiam no domingo. O começo da vida da tia Vangila com o tio Alfredo foi bastante difícil também porque ele ficava muito enciumado: desmanchava toda a bainha dos vestidos dela para ela não poder sair no Rio de Janeiro. Morria de ciúmes, ela era uma mulher linda!

Tão rica terra, chegou a produzir noventa capulhos [botão do algodão] por pé. E ainda era tão manual quanto o resto do serviço.

Tempos depois, Tio Théo convidou o Caio para trabalhar em Cruzeiro, onde meu pai trabalhava como sócio também. Tio Théo comprou com meu pai o Frigorífico Cruzeiro. Aí o Caio e Lucy, mulher dele, foram morar lá. E papai sempre dizia a Caio que o começo do dinheiro dele foi o algodão plantado no Paraizo, que rendeu a ele uns bons cobres, não sei exatamente quanto.

Primeiro ele foi como ajudante do tio Théo, eventualmente comprou a parte do papai.

De volta à lida no Paraizo. Quando colhido o café ele era trazido para os terreiros em carroças. E na infância, ainda bem pequenas, nosso prazer era ver soltar os burros que puxavam as carroças que, quando livres da cangalha, se espreguiçavam na terra e levantavam um poeirão.

Saíamos em grupos a cavalo, no começo acompanhados por um serviçal [Gumercindo], depois só nós – irmãos, primos e amigos.

Eu adorava cavalos. Comecei com o Periquito, depois tive o Rex e, aos dezoito anos pedi como presente um mangalarga: ganhei o Tangará.

Mamãe, que nada tinha a ver com culinária em São Paulo, na fazenda virava doceira, boleira, fazia pães e sequilhos pelas velhas receitas de família. Era muito usado se trocar receitas: bolos de dona Alaíde; pão de vovó Eliza; creme de vovó Júlia e por aí afora. Os nomes ficaram...

Meninotas românticas, no inverno, a graça era deitar nos montes de café e ver, naquelas mágicas noites de estrela, as estrelas caírem. Podia-se fazer um pedido, mas não se podia contar que tinha visto a estrela cair.

A volta para São Paulo não me agradava muito. Sempre fui muito ligada ao verde, ao espaço. Me lembro das frias madrugadas em que o Miranda, motorista de São Carlos e, às vezes, mais um táxi – vinham nos buscas. A estrela Vésper ainda estava no céu; nunca me esqueço destas viagens de trem; que maravilha! Em geral vínhamos e voltávamos de trem da Ferrovia Paulista porque a viagem era muito penosa – eram nove horas!

Se eu continuar a pensar, escrevo um livro. Por isso, vou parar e agradecer a Deus que exista gente como a Batoca e o Durval que com muita coragem e amor são os continuadores de seu pai, meu irmão José e mais 5 gerações.

Quando vovó Eliza morreu, deixou para cada um dos afilhados, 100 contos de réis [dinheiro de 1942], se não me engano. Ela era minha madrinha. Foram gastos: parte comprando um pedaço da Santa Cruz porque eu amava a terra. Papai até me perguntou se eu tinha certeza. Fiz uma viagem com Tio Théo para os Estados Unidos, ainda com esse dinheiro e guardei alguma coisa. Fiz uma viagem com a tia Lucy para Buenos Aires. Acho que eu gastei praticamente todo o meu dinheiro nisso.

A Fazenda Santa Cruz não era nossa. Era um pedacinho que ficava “encravado” na Paraizo. O dono queria vender e papai achou interessante comprar para acrescentar aquela área ao Paraizo. Só que papai não tinha aquele dinheiro todo. E os irmãos, a essa altura, queriam todos vender a fazenda, isso sim.

Eu comprei um terço da Santa Cruz, que com o correr dos anos ficou como uma parte da Paraizo. Aí o José me propôs trocar o terreno de mamãe em São Paulo, que é vizinho de casa até hoje.

Falando sobre os tempos de criança, eu me lembro que Mamãe se dava muito bem com a vovó Elisa e com a tia Brasília. Ela morou um tempo com a tia Brasília.

Papai construiu a casa da sede no Jaú e mamãe morou um tempo lá. A fazenda se chama Santo Antônio, eu acho. A fazendo ficou com algum dos filhos do Jica. – era era o filho mais velho da tia Zila. Antônio Carlos.

José Roberto Coelho de Paula assistiu ao depoimento de Luly. São casados há quase sessenta anos. Contou o que viveram lá:

Minha primeira visita ao Paraizo tem mais de 60 anos, quando éramos noivos. Depois de casados, Sérgio e Toty também iam para a fazenda com o Roberto, o filho mais velho. No mesmo ano nasceram o Fernando, de Luly e o Carlos de Toty. Em 1951. Tivemos mais quatro meninos – Marcelo, Asdrúbal, Eduardo e Luiz Roberto. Sérgio e Toty tiveram o terceiro, Luiz. Oito netos homens! Claro que toda a turma queria passar as férias no Paraizo. O casarão tinha só um banheiro embaixo para todos!

Quando José e Carmem se casaram e foram morar na fazenda, logo nasceram Elisa e Beatriz. E a casa não comportava tanta gente nas férias. Passamos a revezar – Toty e os filhos passavam uma temporada, eu e meus filhos, outra.

Pedi a José que se vagasse uma casa na colônia, nós faríamos uma pequena reforma para termos um canto nosso. Livraram duas geminadas.

Fizemos uma reforma bem precária com o único dinheiro que Toty e eu recebemos da Paraizo ao longo dos anos. Nós aplicamos na reforma da casa que não tinha banheiro, não tinha nada. A cozinha era do lado de fora. Nós não tínhamos para investir: era começo de vida, criançada pequena, uma luta.

Nós ficamos nessa casa para que Carmem e Toty pudessem ficar à vontade no casarão. Assim ficavam cinco crianças e não dez! Tinha uma cachoeirinha na frente da nossa casa, que a gente ia buscar água. Pegava a estrada, entrava no pasto e do pasto, o riozinho que saía do lago e lá tinha essa mina d’ água. Era uma cachoeirinha muito lindinha.

E foi assim, tarde calma, José, meu irmão, e eu resolvemos dar uma volta no pomar do velho e querido casarão do Paraizo, em direção a picada do mato, que confinava com o pomar. Caminho aberto no meio da mata. Era como se estivéssemos adentrando um pedaço de selva.

De repente José disse: Vamos vender essa fazenda, só dá trabalho, estou cansado.

E eu, para quem aquele pedaço de terra era muito especial disse: mas José isso é nosso, porque cada um de nós não assume a sua parte sem onerar a mamãe nas rendas devidas. Faríamos esse compromisso. Éramos todos moços o bastante para criar uma fazenda.

Foi assim que surgiu a idéia da partilha, tirando do José uma responsabilidade cansativa. Assim que nos reunimos e discutimos como seria essa divisão, Toty e Sérgio bem como nós dois achávamos que a sede que tinha sido mantida por José e Carmem Sylvia até aquele momento com carinho deveria ficar no pedaço deles. Esse casarão foi construído por Candido e Eliza, meus avôs em 1897.

Asdrúbal e Beatriz, meus pais, sempre tiveram com essa sede o mesmo carinho que meu irmão. Para nós, era uma alegria as férias na fazenda, não queríamos outro lugar, às vezes íamos a sós às vezes levávamos amigos. Quase sempre íamos pelo trem da Paulista que era uma maravilha e algumas outras de carro, o que representava muito boa disposição de meu pai, pois o carro às vezes quebrava e ele é quem tinha que consertar tudo, pois não havia o menor socorro nas estradas. Era tudo muito primário.

Da parte de mamãe sempre havia um farnel, pois as viagens chegavam a durar até 9h. Era uma farra sentar embaixo de uma árvore e fazer um piquenique, apesar dos percalços nunca houve mau humor nessas viagens.

Sempre gostei do Jabaquara, a área que nos coube na partilha.

A gleba do Paraizo era um grande retângulo, onde num dos extremos ficava a sede e o lado oposto a isso era o Jabaquara. Era muito comum eu ir com meu pai á cavalo pelo carreador central da sede até o alto do Jabaquara. Vestia-me sempre de calças de montaria e botas até o joelho, pois muitas vezes tínhamos que andar em campineiras onde havia o perigo das cobras. Mouro e Periquito eram os cavalos mais velhos e que nós usávamos, depois foram comprados Pipoca, Rex e outros que usávamos quase todos os dias. O Tangará ganhei de meus pais como presente dos 18 anos, foi comprado de uma fazenda de um amigo de meu pai que ficava em Laranjal.

Prontinha com o chapéu na cabeça e o rebenque na mão lá ia eu com o Zão, era como chamávamos nosso paizão, era passeio e trabalho, pois era durante essa caminhada que meu pai ia vendo o serviço e dando as ordens quando necessário. Saíamos cedo e voltávamos na hora do almoço, às vezes sob um sol escaldante e às vezes um gelo.

Quando papai assumiu a fazenda, grande parte era de cafezais que já velhos, mas ainda produtivos. Na baixada da várzea que era chamada de Japão, pois lá havíamos tido arrendatários imigrantes japoneses que não falavam português e tinham hábitos muito singelos. Construíram suas próprias casas de sapé e bambu em chão de terra batida e cultivavam uma boa área de arroz. Era uma gente muito arredia, nunca entramos em nenhuma das casas.

Passando a várzea começava o café, todo o lado direito até o alto do Jabaquara e do lado esquerdo havia a mata virgem que nunca foi cortada, 40 alqueires. A nossa divisão Jabaquara Paraizo era o ribeirão dos Negros. Que cortava a várzea em direção a represa do 29. Atravessando a Fazenda Morro Alto nossa vizinha e também algumas terras do Canchim. Uma vez feita a partilha cada um de nós começou a construir a sua fazenda.

Toty e Sérgio construíram na Santa Cruz uma casa pequena, já planejada para crescer. A fazenda dela confinava com o Paraizo e conosco num trecho onde havia uma estrada de ferro de bitola estreita da companhia Paulista. Com o Paraizo a divisa era feita com o córrego do Paraizo que despencava num salto até as terras baixas para se encontrar com o Ribeirão dos Negros. Foi um tempo muito bom em que nós, Zé Roberto e eu planejávamos e construíamos nossa fazenda. Não havia nada no Jabaquara, nem tulhas, nem terreiros, nem casa de empregados, nem luz, nem água encanada e nem telefone, começamos do zero.

Havia alguma plantação de café que nós mantivemos, plantamos uma nova área com café, tínhamos uma área de milho e outra de pasto. Foi conosco como administrador Jaime Mion filho do muito antigo administrador do Paraizo, era bem mocinho, eficiente e trabalhador. Só que como perfeição na existe, ele se arvorou em sócio do material que mandávamos para construir nossa fazenda, mas isso só foi percebido tempos depois. Construímos uma boa casa que imaginávamos um dia transformar em moradia do administrador, escritório e depósito. Construímos também a colônia, cinco casinhas feitas com capricho e com o mesmo material que usamos na nossa casa. Uma bela área no entorna das casas, tudo na mais perfeita ordem. Refizemos a tulha que estava caindo e fizemos o nosso próprio terreiro. Tudo era prazer.

O entusiasmo de Zé Roberto e meu era enorme em ver a casa crescer. Tínhamos dois pedreiros, Pedro Gandolphini e Angelim Ferrarini, ótimos, e um servente uma pessoa muito educada e inteligente e diferenciada Geraldo de Melo cujo filho foi mais tarde trabalhar na Santa Cruz e ficou como administrador até hoje na fazenda de Toty e Sérgio - o Antônio.

Chegava sexta-feira à noite. Era por a criançada no carro, mais gatos e papagaios e ir para o Jabaquara, que maravilha! Luz, água, telefone, estradas e cercas, tudo foi feito por nós,antes não havia nada, fizemos ainda um curral e uma estrebaria.

No Jabaquara tinha um salto e a água provinha de uma matinha cheia de palmitos, era um lugar encantador. Fazíamos divisa com uma estrada municipal entre nós e o Otavio Pinho. Do outro lado com a Fazenda Morro Alto e do outro lado com a Fazenda Sapé.

Uma área plana que havia no Jabaquara foi emprestada por meu avô Candido á seu neto, Caio Paranaguá Moniz que lá plantou algodão com enorme sucesso.

Caio também plantou eucaliptos em volta de toda essa área o que a deixou muito bonita. Esse primo era muito amigo e foi convidado por tio Teodoro para gerenciar um frigorífico que eles compraram em Cruzeiro.

Essa divisão feita por nós só nos deu alegria, nossos filhos cresceram nessa terra e sendo um grupo muito amigo, as férias eram uma farra. Nem se pensava em rádio ou televisão, tínhamos mais tempo para ler e pensar. Gozar das coisas mais pelas e simples da natureza sempre foi o nosso prazer.

O Jabaquara passou para as mãos do Asdrúbal quando ele voltou formado de Piracicaba como Engenheiro Agrônomo e aí surgiu a possibilidade da compra de uma fazenda vizinha chamada Floresta e assim continuou a nossa vida de reformadores de Fazendas. A Floresta tinha uma sede de 1880 que estava semi-abandonada e mais 80 alqueires de terra, duas cachoeiras.Era uma gleba linda e foi um prazer reforma-la durante 30 anos.


quarta-feira, 4 de novembro de 2009

mais fotografias

Luly e Toty - anos 40 - terraço sala de jantar do Paraizo
Luly, José, Beatriz e Toty no Jahu
Cândido e Elisa no Jahu
Asdrubal e Toty - anos 40
Bilú, Vangila e Asdrubal - 1912

Neia e Vovô Cândido

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Antonio Aparecido Gallo - o Toninho






jardins e casa da Faz. Santa Cruz

Antonio Aparecido Gallo, o Toninho, nasceu no dia 8 de dezembro de 1951. Tem uma irmã gêmea, Maria e muitos irmãos mais novos.
Toninho e Maria moram há mais de quarenta anos na Fazenda Santa Cruz, parte da Fazenda Paraizo dividida por Beatriz Piza e Lacerda, viúva de Asdrubal Franco de Lacerda. Coube à Toty Lacerda de Figueiredo Mello e Sérgio Figueiredo Mello o trecho da Santa Cruz. Lá começaram a construir nova sede em 1965 que foi sendo ampliada por Toty com o casamento dos três filhos e a chegada dos netos. Um refúgio acolhedor que os onze netos e agregados aproveitaram e aproveitam muito.
Toninho é cozinheiro de mão cheia - faz um rosbife inigualável, uma farofa com pedacinhos de doce de carambola que é uma perdição e o famoso feijão, marca registrada que ficou na memória de todos que passaram pela fazenda! Jardineiro do "dedo verde", contador de causos, fã de Roberto Carlos e Beatles. Tem uma coleção de discos de vinil e gosta muito de conversar sobre música. Mandou por escrito o depoimento abaixo e prometeu escrever mais sobre o tempo em que morou na Fazenda Paraizo, bem pertinho da casa em que mora com a mulher Leni e os filhos Adriano e Adilson.
Toninho tem uma curiosidade nata, gosta de ler e quando diz que aprende coisas até hoje, é muito sincero. Uma pessoa de rara sensibilidade e senso de estética. Sabe consertar tudo o que precisa ser consertado, valoriza a história de cada objeto, cada tigela, travessa, panela da "sua" enorme cozinha. Tem ferramentas para todo tipo de conserto e guarda peças, porcas e parafusos de aparelhos velhos que podem ser úteis para um futuro reparo. Nas férias de julho e janeiro, os netos andavam feito sombras atrás do Toninho. Uma fila para buscar água na bica, voltavam imundos de terra do brejo. Satisfazia todos os desejos: batata frita, mandioca frita, paçoca de carne no pilão, o famoso rosbife, espetinhos de frango e de carne com pedaços de cebola, tomate e o mais que famoso medalhão de filé com uma tira de bacon em volta em "cartoccio" com papel de alumínio. Tem ainda o gnocchi que ele corta no tampo de granito e polvilha com farinha de trigo em duas enormes peneiras de taquara. Antes de ir para a panela, quase metade dos pedacinhos cortados já foram abocanhados por mães e filhos! A cozinha da Santa Cruz é o sonho de quem gosta de ter tudo à mão, ou melhor, no estômago...

Era 1957 quando meus pais vieram morar na Fazenda Paraizo. Éramos só eu, a Maria (irmã gêmea) e o Jair com 3 anos de idade.

Meu pai veio especialmente para trabalhar na lavoura de café que era muito bonita e também na máquina de beneficiar. Lembro-me que os colonos colocavam o café no vagonete que descia até a máquina de beneficiar que ficava mais embaixo. Era muito bonito ver aqueles vagonetes correndo em cima dos trilhos da mureta até a máquina. Que saudade disso tudo!

Na colônia dos pretos, do tempo mais antigo, tinha sobrado uma única casa que estava muito velha. Lá moravam o Calixto, sua mãe Mariana e mais três netos – Paulo, Luiz e Joana. Ficamos amigos, éramos todos mais ou menos da mesma idade.

A Mariana era parteira. Meus cinco irmãos que nasceram já no Paraizo, nasceram todos com a ajuda dela. A Mariana tinha um jeito engraçado de falar. Acho que ela era descendente de escravos. Fumava cachimbo de barro com um canudo de madeira. Quando o canudinho do pito entupia ou quebrava, ela me chamava e falava assim: Nho Quinho, vai pegar outro canudo de pito pra mim, vai... Eu pegava e ajudava Mariana a encher o cachimbo de fumo e até acendia com um tição de madeira do fogão de lenha da casa dela mesmo. Era muito engraçado. Que saudade desse tempo, era tão bom...

As casas da colônia no Paraizo eram boas, já feitas com reboque de areia, cimento e cal, mas não tinha forro nem banheiro dentro. Tinha uma fossa do lado de fora da casa.

Em 1959 entrei para a escola do Paraizo no primeiro ano. Não fui muito bem e fui reprovado e em 1960 fiz de novo o primeiro ano e passei com nota muito boa para o segundo ano com a mesma professora, Dona Liliana Cerqueira Leite. Eu me lembro perfeitamente.

No terceiro ano já fui muito bem. A professora era Dona Edna de Lourdes Campos Bellini que se casou com o Lineu Bellini, dono do açougue onde Dona Toty comprou carne por muitos anos.

Passei para o quarto ano que só funcionava na cidade, mas não pude continuar porque era muito difícil ir para a cidade. Não tinha como ir e também minha família aumentava sem parar! Eu já tinha 11 anos. Fiz a 1a Comunhão na capela da fazenda que era a escola e logo comecei a trabalhar ajudando na colheita de café.

Ao lado do terreiro tinha um cafezal novo, foi a primeira colheita. Sr. José nos chamou, o café era medido por litro. Quanto mais a gente colhesse mais ganhava. Eu gostava muito desse serviço e ajudava na minha casa com o que ganhava.

Como contei, a escola da fazenda era a capela ao lado do casarão. Éramos umas trinta crianças ao todo na classe. A professora vinha de charrete com capota de lona. O cocheiro era o Luiz Vigatti que a gente chamava de Lilão. Ele buscava a professora na Vila Néri e levava de volta após as aulas. Na hora do recreio, nós brincávamos de esconde-esconde em volta da escola e também de passa-anel que era uma brincadeira muito legal. Sr. José dava lanche para todos na escola – leite batido com banana bem gelado, uma delícia!

Por volta de 1960, Sr. José Lacerda começou a reformar todas as casas da colônia e pôs forro de madeira, fez banheiro dentro, com sanitário e chuveiro elétrico. Aí sim ficou uma beleza!

No Jabaquara tinha a olaria. Funcionava na beirada do rio para fazer tijolos. O barro era recolhido ali mesmo no brejo e levado para o amassador que era manual. Duas pessoas giravam até dar o ponto. Depois o barro era colocado na forma e ia para o forno bem quente para queimar. Isso era muito bonito, mas logo a olaria parou de funcionar, não sei por que.

A serraria era muito legal, mas as crianças não podiam ir lá, o Zé Mion, o administrador, não deixava porque era perigoso. O filho dele era marceneiro e fazia os móveis da fazenda. Muita coisa bonita.

Os cafezais da fazenda eram muito bonitos. No tempo de colheita, todo pessoal da colônia trabalhava – homens, mulheres – todos protegidos por roupas longas e chapéu de palha.

Em todas as casas da colônia tinha forno e fogão de lenha. Era muito gostoso no tempo frio quando a gente subia em cima da mesa do fogão para se esquentar.

No casarão, o Alécio era o jardineiro. Ele também marcava a hora de começar e terminar o serviço na fazenda. Batia o sino de manhã à 6 horas, depois às 9 que era hora do almoço. À 1 hora da tarde tocava para o café e à 5 horas pra terminar o dia.

O Edmundo levava o leite na carrocinha de quatro rodas todos os dias de manhã.

Ficamos no Paraizo de 1957 até 1964. No final desse ano, ouvimos falar que a fazenda ia ser dividida em três partes. O Zé Mion que era o administrador, começou a separar também os empregados para cada uma das três novas fazendas. Foi assim que viemos morar na colônia que passou a pertencer à Fazenda Santa Cruz de dona Toty.

Em 1965 construíram a casa sede da Santa Cruz e quando ficou pronta, por volta do mês de junho, a Maria e eu começamos a trabalhar na limpeza e arrumação. Dona Toty sempre organizando tudo para as férias de julho que estavam próximas. Ela nos ensinava também a fazer arroz, feijão, batata frita. Era divertido fazer isso. Eu também comecei o serviço do jardim, sempre aprendendo tudo com a patroa, fui gostando cada vez mais. Acho que até hoje aprendo coisas! Foi o primeiro trabalho com carteira assinada da minha vida - por Dona Toty e Dr. Sérgio que me ensinou tudo que eu sei fazer sobre eletricidade. Aprendi muito e sou eternamente grato ao casal.

Ainda me lembro de alguns nomes de tantas famílias que moraram na Santa Cruz. A do José Tiaci, do Antonio Zambom, do Formentão, do Zaboto, do João Romano (continuar)

De todas as famílias que aqui moraram, a do Napolitano foi a que ficou mais tempo. Eu adorava conversar com ele por causa do sotaque italiano. Muitas vezes eu não entendia nada, acho que era um dialeto. Aqui na Santa Cruz, já aposentado, ele passou a cuidar de uma horta que ele mesmo plantou. Tinha alface, cenoura, couve, salsinha, abobrinha, mandioquinha para a sopa das crianças, netos da Dona Toty em época de férias.

O Napolitano era muito divertido. Fumava cigarro de palha muito forte, a gente ficava até tonto de sentir aquele cheiro! O engraçado é que ele colocava o cigarro atrás da orelha para mexer na terra da horta e depois esquecia e ficava um tempão procurando feito louco...

Aos domingos à tarde, eu ia ao cinema. O Cine São Carlos ficava na Praça Coronel Sales. Eu adorava os filmes do Tarzan, era muito legal! Não deviam ter demolido o prédio do cinema, era uma coisa maravilhosa da nossa cidade. Ao lado tinha o Bar do Maneco onde íamos tomar sorvete de groselha. Que delícia que era!

Entre 1960 e 1964, japoneses arrendaram as terras da baixada, na beira da estrada de ferro do trenzinho Maria Fumaça, como nós chamávamos. Era tão bonita aquela máquina puxando um monte de vagões transportando o café das grandes lavouras de toda a região. Não sei direito para onde ia aquele café.

Fomos trabalhar para os japoneses na colheita de tomate, pepino, nabo, cenoura. Na hora do nosso almoço às vezes dava certo de o trenzinho passar e a gente jogava os tomates estragados nos vagões... Era divertido, uma arte de moleque! Tenho saudade de tudo isso e também das broncas que a gente levava dos japoneses, Sr. João Ottani e Paulo Cavaniti. Não me lembro se era um dos irmãos que não conseguia falar os nomes da gente, então demos o apelido de “Não Sei” e ele ficou conhecido por esse apelido.

Os amigos dessa época eram o Luiz Vigatti (Lilão), o Benedito (Ditinho), o Ademir Aguiar ( Demizão), o Hélio Luiz ( Luizão), o Paulo (Paulão), o Adão, a irmã Maria Cecilia, a Eva, o Felix, filho do japonês. Íamos todos juntos para a cidade nos fins de semana e feriados - a pé ou de bicicleta - era muito legal. Sempre tinha quermesse na igreja do Educandário e parquinho no balão do bonde da Vila Neri. Era muito divertido. Lembro que a gente pedia músicas e ouvia nos alto falantes dos postinhos do parque. Tinha que pagar para tocar a música preferida, mas era muito legal. Pena que hoje não existe mais essas coisas boas, infelizmente. Aproveitei muito a época da Jovem Guarda.

Conversávamos sobre músicas e cantores como Celi Campelo, Roni Cordi, Vanderléia, Roberto Carlos, Edi Carlos, Paulo Diniz, Vanderlei Cardoso, Martinha, Erasmo, o tremendão e os Beatles. Cantávamos as músicas de todos esses caras. Um queria cantar melhor que o outro, era uma alegria total. Nesse mesmo tempo, por volta de 62, 63 também era sucesso a música do bicampeonato do Brasil do Jackson do Pandeiro. Como se dizia, estava na boca do povo direto: "você vai ver como é Didi, Garrincha e Pelé dando seu baile de bola..."

Minha paixão por música começou com um tio, irmão de meu pai que também gostava muito de arranhar o violão e cantar alguma coisa da época, principalmente do Roberto Carlos que estava começando a fazer sucesso com as primeiras músicas, como "Louco por Você", "Olhando Estrelas" e "Parei na Contramão". Meu tio comprou um livrinho de músicas para aprender as letras melhor e nós ficávamos cantarolado as músicas. Eu passei a gostar ainda mais de música e ele me deu um compacto simples do Betinho e seu conjunto com a música "Neurastênico". Até hoje eu tenho o disquinho e passei a comprar mais discos e também ganhar de presente de amigos e parentes. Parte da minha discoteca, ganhei da família Mello, para quem eu trabalho até hoje com muito gosto.

O bondinho da Vila Neri até a estação era muito legal e hoje não existe mais. Eu me lembro dos armazéns da época como o Pizzani, o Mario Dotto (Migalhatto) que ficava na Avenida São Carlos. Meu pai fazia compras lá. Uma quantidade muito grande de mantimentos como arroz, açúcar, feijão, farinha de trigo, fubá, batata, sal - tudo pago mensalmente! Seria impossível para mim viver em outro lugar. Aqui é meu chão, o meu Paraizo!


sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Depoimento Carmem Sylvia Alves de Lima e Motta - morou na Fazenda Paraizo de 1954 a 1987

Beatriz e Elisa Franco de Lacerda
Asdrubal Lacerda Coelho de Paula - Beatriz Lacerda - Eduardo Coelho de Paula - Elisa Lacerda - Carlos Figueiredo Mello - Marcelo Coelho de Paula - Luiz Figueiredo Mello
Elisa e Beatriz

Carmem Sylvia e José Lacerda - 1960
Frei Estevão - missa centenário - 19 de junho de 1960
Vangila Paranaguá Moniz- Beatriz Toledo Piza e Lacerda - Roberto Figueiredo Mello - Frei Estevão - José Franco de Lacerda
casa de máquinas
sala visitas
sala de jantar

1954. Foi quando começou minha nova vida no Paraizo com José Franco de Lacerda: namoro, noivado, casamento, e eis que estou de mudança para a Fazenda !! O que o amor faz acontecer...

Um enorme casarão de dois andares, jardim, horta, pomar, tudo por minha conta!

Aos poucos a rotina foi sendo feita e o dia a dia acontecendo: na cozinha, Honorata com suas panelas debaixo da pia, me fazia medo: na lavanderia, Rosária e sua filha Fátima (ou Famita assim chamada pelas minhas filhas, pois trocava as letras: laspi = lápis, mânica = máquina) era encarregada da roupa e dos quartos. No jardim, meu fiel escudeiro Alécio Vigatti, mantendo sempre varridos os caminhos, os pátios, os canteiros sempre floridos e o pomar com todas as frutas possíveis, para tapar a boca dos vizinhos!! Havia também uma figura singular, o velho Mané –, filho da escrava Felicidade, nascido de Ventre Livre com seu cachorro Japi, perambulando pelo jardim feito uma alma penada, bufando e resmungando .

Naquele tempo, a colônia era totalmente habitada pelas famílias que cuidavam do gado e do café.

Zé Mion administrava a fazenda com mãos de ferro orientado por José, que, todas as tardes no terraço da frente, ao entardecer, combinava as tarefas do dia seguinte. Isaura, sua mulher, com o famoso sorvete de creme com carambolas e Wilma, sua filha, com seus deliciosos pãezinhos, alegravam a criançada no tempo das férias.

Moacir, excelente marceneiro, formado pela Escola Industrial Paulino Carlos, fez lindos móveis com madeira da Fazenda e desenhos de José: estantes, mesas, banquetas com palhinha. Norma, sua mulher, era minha hábil costureira.

No tempo da colheita, a fazenda era só movimento: café sendo lavado e estendido no terreiro, uma parte era despolpada para exportação e a outra, colocada no vagão e encaminhada para a máquina de benefício. O café do Paraizo era muito bem cotado, “tipo 4 mole” e seguia para Santos pelo corretor Sr. Zambrano a fim de ser vendido no mercado.

No Jabaquara, em 1955 e 56, foram plantados mais 120.000 pés de café, perfazendo um total de 200.000 mudas .

No terreiro, a folia era grande: pular nos montes de café, esparramando tudo, para grande alegria dos encarregados, que tinham de amontoar tudo novamente!!

O casarão necessitava de uma reforma urgente para melhor acomodar os novos moradores, pois não se tratava mais de uma casa para passar as férias, mas sim para morar definitivamente, criar filhos, e raízes.

Havia somente um grande banheiro embaixo, a cozinha bastante antiquada, o tanque de lavar roupa do lado de fora da casa, um quarto de hóspede que dava para a sala.

José, arquiteto nato, conseguiu transformar tudo com muito cuidado, respeitando o estilo e as pinturas das portas e abaixo das janelas imitando mármore, transformando numa grande sala com lareira e jardim de inverno, dando para um pátio todo atijolado. Ficou esplêndido.

E, eis que de repente, o casarão se enche de alegria com a chegada de Elisa (nome das duas avós) em 55 e de Beatriz em 56, em homenagem à Vovó Beata, que tinha 7 netos homens !!!

Nas férias, o casarão tinha a lotação completa:Vovó Beata e sua turma: tia Stella, d.Alayde, Lúcia Sampaio Viana, Antonieta Morelli Rocha, prima Mercedes e tia Sinhá; Toty e Luly com seus sete filhotes e babás.... Era um corre corre o dia todo: café da manhâ, frutas e sucos, almoços em dois turnos (das crianças e dos adultos), lanche da tarde (para as vovós), jantar em dois turnos e lanchinho da noite para todos !!!

Na cozinha, Ana pilotava o fogão de lenha com muita maestria, e Tata, (antiga governante de José) deliciava a todos com seus sequilhos, pães de nata, biscoitão de polvilho e, nas horas vagas, fazia as célebres colchas de retalhos, tudo a mão e perfeito!! Ainda restam algumas.

Passeios a cavalo com os sobrinhos, caçadas noturnas de rãs, dedos presos em anzóis, futebol proibido para as meninas, fazendinha feita com frutas, etc.

Festa junina na tulha para os colonos com baileco animado pelo sanfoneiro, sanduíche de mortadela, quentão, fogueira no terreiro e levantamento do mastro com moedinhas na cova. Bons tempos aqueles quando se conhecia todos os empregados e havia amizade e respeito de ambos os lados.

A família dos Coelho de Paula aumentava. Nasceu Luiz Roberto, mais um menino!!! Uma casa abaixo do terreiro foi reformada, onde podiam ficar com mais espaço e melhor acomodados.

Havia sessão de teatro sob a direção de Roberto, que, com sua equipe de artistas – Leme, Celso, Max, Vergueiro – improvisava cenas hilárias, bailes ao som do órgão, jogo das palavras, mímica, queijo derretido na lareira... Assim eram as noites de julho nas férias. No verão, a piscina improvisada era o reservatório para irrigação do novo cafezal. Todos aprenderam a nadar e travar guerra de abacate. Como a piscina era de cimento e a água, escura, as mães contavam as crianças centenas de vezes para ver se nenhuma estava faltando!!! Graças aos anjos da guarda, todos sobreviveram. E a piscina virou piscina de verdade...

Ficávamos na Fazenda durante o ano todo, vindo a São Paulo nos aniversários das avós e no Natal.

As festas no Paraizo eram animadas, nosso grupo de amigos era bem diversificado: alemães, alguns músicos, professores da USP, fazendeiros e o grupo dos “onze casais”, que até hoje ainda encontro quando vou a São Carlos.

A cidade cresceu e se modernizou. Adeus ao bonde da Avenida, que volta e meia parava na subida por falta de luz, ao trenzinho da Estação Babilônia, ao carroção de leite puxado por seis mulas mineiras habilmente dirigido pelo Edmundo, pai da Ana – portador dos proibidos rapé, cigarros – para os sobrinhos e amigos! Depois vieram os primeiros supermercados em lugar das vendas...

Com a divisão do Paraizo, Toty na Santa Cruz, Luly no Jabaquara e José no Paraizo, cada um ficou com sua sede própria, para melhor desenvolverem seus projetos e acomodarem seus familiares e amigos.

Por ocasião do centenário, 1960, o casarão foi pintado, os quartos remodelados, colchas e cortinas novas, móveis consertados e banheiros novos para maior conforto geral.

Uma linda missa campal rezada pelo saudoso Frei Estevão de Piracicaba e assistida por Sérgio (Figueiredo Mello), seguida de um delicioso churrasco para 300 convidados (foto) marcaram o lançamento da pedra fundamental da capela (atualmente na tulha).

As crianças cresciam. Elisa e Beatriz frequentavam o Colégio São Carlos. No começo dos anos 70, fui convidada a prestar vestibular para Biblioteconomia!!! Imagine minha ousadia, e não é que fui aprovada? Mãe e filhas estudando, foi uma época muito divertida e proveitosa!

Os afazeres eram muitos e variados: geléias, compotas, sabão de abacate, arrumação dos muitos vasos de flores, embalagem de carne para o freezer, colheita de flores para venda no mercado, artesanato rural (feito pelas mulheres da colônia e encaminhados para o Bazar das Fazendeiras), cursos de queijos e decoração, campanha de vacinação nas fazendas, assim eram ocupados meus dias.

(primeira parte...)

sábado, 5 de setembro de 2009

verso da fotografia...




No verso da fotografia de Vangila com o cachorro Capi pode-se ler: 26 de novembro de 1901. Capi falleceu em 27-8-1908 de uma crise do coração de baixo de um pé de café. Vangila aos 13 anos. Paraizo


quarta-feira, 2 de setembro de 2009

aguardem mais depoimentos....

Vangila, Beatriz, Asdrubal Lacerda, Caio e Mariucha Paranaguá - 1915

Morador da fazenda Paraizo na infância e da fazenda Santa Cruz há mais de 40 anos, Antonio Gallo, tem muitas histórias sobre antigos colonos, como a parteira Mariana que morava na velha colônia dos pretos e que trouxe muitas crianças ao mundo. Aguardem...

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

fotografias de Toty Lacerda de Figueiredo Mello



Os depoimentos de Toty Lacerda de Figueiredo Mello e de Luly Lacerda Coelho de Paula ainda não foram transcritos. Aguardem...


Luly, Beatriz, Toty e vovó Elisa - mata fazenda Paraizo

Beatriz e Asdrubal Franco de Lacerda

Amadeu Arruda Botelho e Brazilia (Zila)

Vovô Candido, Asdrubal e Beatriz

José Lacerda e João Paranaguá Moniz

Zila e vovó Elisa

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Apresentação fotografias anos 20


As fotografias escaneadas do álbum de João Paranaguá Moniz estão no vídeo abaixo.

Nem todas são da fazenda Paraizo, mas vale como um registro dos anos 1920 (o formato também não comporta legendas).

edição e montagem - Neta Mello

música - "Eu sei que vou te amar" de Tom Jobim e Vinícius de Moraes - orquestração Wagner Tiso
CD Cenas Brasileiras - com Orquestra Sinfônica Petrobrás - regência Roberto Tibiriçá
2003 - Biscoito Fino

mais fotografias - fazenda paraizo



piso de tijolo ao redor das árvores (ler depoimento de João Paranaguá)
banheira de mármore encontrada por João Paranaguá


sexta-feira, 21 de agosto de 2009

fotografias

acima esquerda:Hannibal (Bilú), Evangelina (Vangila) e Asdrubal - direita: Alfredo Paranaguá Moniz, Vangila e Asdrubal - 1912
Alfredo e Vangila - Elisa Whitaker de Oliveira Lacerda - João Paranaguá - 1924

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Depoimento de João Alfredo Paranaguá Moniz


Marion, Mariucha e João Alfredo - 1924

carramanchão
João Alfredo - 1924


Quando nos envolverem
As sombras do crepúsculo,
Sentiremos a saudade
Das folhas que não tombaram

E não abrigaremos mais
As emoções dos tempos idos,
E tudo será simples como
O cair das sementes sobre a terra.


O poema acima foi escrito por João Alfredo Paranaguá Moniz e está no livro “Aurora” – Editora 34 – 2006. Não foi escrito sobre a Fazenda Paraizo, mas as “folhas que não tombaram” e “o cair das sementes sobre a terra” podem ter ficado em suas lembranças dos tempos de férias na fazenda e dos pouco mais de três anos que morou e trabalhou na Paraizo.

João Alfredo nasceu no dia 11 de setembro de 1917 em São Paulo, na casa da avó materna Elisa Whitaker de Oliveira Lacerda à Rua Brigadeiro Tobias 66. Os pais de João, Alfredo Paranaguá Moniz e Evangelina (Vangila) moravam no Rio de Janeiro, mas os quatro filhos nasceram em São Paulo. Vangila fez questão que fossem paulistas e, na casa materna, podia contar com a ajuda da mãe Elisa nos primeiros cuidados com os filhos: Caio Emanuel, Maria Elisa (Mariucha), João Alfredo e Maria Helena (Marion). João foi batizado na Igreja de Santa Efigênia.

Trabalhou desde os doze anos e se formou em Agricultura pela faculdade de Viçosa. João se lembra de percorrer a fazenda Paraizo à cavalo todos os dias. Algumas vezes, acompanhado pelo tio Amadeu Arruda Botelho, seu padrinho, casado com sua tia Brazilia (Zila) no tempo em que lá morou. Outras, com tio Asdrúbal. Deveria ter entre 26 e 28 anos quando foi trabalhar na Paraizo. Afirma que não guardou as datas. Tio Amadeu queria ver como o afilhado estava se saindo na administração da fazenda.

O café ocupava 80% das terras; os 20% restantes eram de algodão, lavoura implantada por seu irmão Caio Emanuel alguns anos antes com bastante sucesso. João aumentou as plantações de algodão que substituíram parte dos cafezais de mais de cem anos. A crise do café tinha levado à queda nos preços e o algodão passou a ter mercado nas fábricas de tecidos paulistas. Sem muito dinheiro para investir, o algodão virou 80% da lavoura na Paraizo.

João conta um pouco da história da família. Seu avô Candido, Barão de Arary, casou-se com uma sobrinha, Dalmácia, filha do Barão de Araras. Filha de seu irmão! Ela tinha treze anos e ele era muitos anos mais velho. Moravam num palacete na Avenida Paulista perto do Trianon. Uma pena que tenha sido destruído, o Trianon era parte da história de São Paulo. O Brasil não preserva nem a memória arquitetônica!

Ele também se lembra de detalhes do casarão da sua infância na fazenda, principalmente a “lida” da casa, como o forno de tijolos, tão bem descrito por tia Zila no livro “Dias ensolarados no Paraizo – 1893 a 1897”. A avó Elisa mandava vir madeira especial para acender o forno e de lá saíam “fornadas” inesquecíveis.

“O corredor acabava no quarto do forno onde havia o forno de tijolos para assar pão, bolos, biscoitos. Para aquecer esse forno, enchia-se de lenha picada. Quando estava tudo bem aceso, esparramava com uma vara comprida e continuava o fogo. Quando ia acabando, ficando só o braseiro, o teto e paredes do forno deviam estar brancos. Então, com um rodo molhado em água, puxava-se todo o braseiro para fora, com cuidado para não jogar as brasas nos pés, deixava-se o rodo, pegava-se uma vassoura verde que era um amarrado de guanchuma ou alecrim ou outras folhas, metia-se a vassoura no forno e puxava-se, varrendo bem de todos os lados. Sentia-se um cheirinho bom de alecrim. A forneira punha então no forno um pedaço de folha de bananeira, ou um punhado de fubá de milho e tampava o forno com uma tábua bem ajustada, alguns segundos, e abria o forno. Se o fubá ou a folha de bananeira estavam já pretejando, o forno estava quente demais. Pegava a vassoura, molhava de novo na bacia velha que ali estava com água e salpicava dentro do forno. Ou esborrifava a água por todos os lados. Já estava ali perto um tabuleiro com folhas de bananas cortadas em quadrados; em cada folha cabiam nove ou doze biscoitos, em forma de argola, da grossura de um dedo fino. Com uma pá de cabo bem comprido, colocava-se no forno, de uma em uma, todas aquelas folhas de biscoitos. Tampava e, uns vinte minutos depois, abria para espiar; os biscoitos já haviam crescido e grudado uns nos outros, mas faltava corar; feche depressa o forno, não pode tomar vento, abra agora o suspiro do forno. Mais alguns minutos; estava tudo bem corado, bem crescido. Deixar mais um pouco para secar. Então metia-se uma varinha no forno, fisgando pelo buraco do biscoito, levantava-se e lá vinha uma penca, outra penca. Depois do biscoito de polvilho, com o mesmo forno, enfornava-se o pão doce e, depois do pão doce, os pães-de-ló, o bolo de Jacarehy e sequilhos...”

A descrição de Tia Zila é perfeita. João se lembra que, por último, iam os suspiros que não podiam ser assados em forno muito quente para não queimar. Quem nunca comeu suspiros com o fundo meio queimado e puxa-puxa?

Tia Zila escrevia muito bem. Na verdade, todos escreviam muito bem, aprendiam “pra valer” com as frauleins. João conta que sua mãe, Vangila (Evangelina), falava fluentemente francês com sotaque alemão!

Outra história do livro de tia Zila é a do cachorrinho de mamãe – o Capi. Quando Capi morreu, mamãe enterrou-o na fazenda, fez até uma lápide no jardim onde escreveu: Ici gésit Capi qui j’aimé toute ma vie. Quando morei lá, mandei fazer no piso do jardim, círculos de tijolos em volta das árvores com bancos para sentar no meio dos passeios. Ficou muito bonito aquele tijolo no gramado verde e com a mureta vazada em volta. Nunca mais vi a lápide de Capi. Havia um carramanhão ao lado do lago onde minha mãe, vovó Elisa e minhas tias se sentavam todas as tardes para ver o por do sol. Lembro-me que o gado passava de um pasto para outro nessa hora.

Passávamos muitas férias na Paraizo. Íamos de trem, aliás a rede de trens do estado de São Paulo era magnífica! Todos os países europeus mantiveram a malha de trens, nós jogamos fora, uma pena. Houve uma pressão enorme dos produtores de automóveis, do truste da borracha...

Na fazenda, fazíamos passeios à pé e à cavalo – no caminho do mato – nas fotografias lê-se “bosque da saúde”.

Depois, tio Asdrúbal comprou a parte dos irmãos. Minha mãe deu graças a Deus porque morávamos no Rio de Janeiro. Tio Bilú não se interessava pela fazenda. Tio Theo tinha mais de dez fazendas, também não queria mais uma!

Tio Asdrúbal mandou cortar os pinheiros que vemos nas fotografias na frente da casa. Pena que nessa poda, tenham derrubado a murta que minha mãe plantou. Cada irmã tinha sua própria árvore. Não me lembro de que espécie eram as de tia Zila e tia Marocas. Coisas da memória...

José Lacerda modificou muita coisa da casa original. Gostei muito do trecho que ele aumentou no jardim atrás, depois da sala de jantar. Tinha uma vista bonita do lago.

No tempo em que morei lá, encontrei uma banheira de mármore que devia ser de vovó Elisa. Estava semi-enterrada no galpão da carpintaria. Deve ter sido “renegada” por esfriar demais a água. Imagine subir com baldes de água do fogão de lenha até o banheiro. Assim que eram despejados, a água já estava gelada! A banheira está no jardim como fonte há mais de cinquenta anos, acho que foi José que fez o arranjo.

Nas férias, tia Beatriz e tio Asdrúbal passavam temporadas na fazenda. Quando nasceram os filhos – Toty, Luly e José – iam todos. Era muito agradável e as conversas, muito gostosas. Fora da temporada, viver lá era uma solidão medonha! Minha mãe me visitava de vez em quando, não gostava muito do provincianismo do interior de São Paulo, estava já acostumada com a vida no Rio que era a capital. Ela cantava, tocava piano, escrevia poemas em francês. As pessoas sabiam declamar. Hoje ninguém sabe o que é oratória! Vinha gente de toda a parte do mundo para recitar no Rio de Janeiro. Margarida Lopes de Almeida recitava no Teatro Municipal do Rio. Nossa cultura tem andado para trás...

Nas cartas e diários de viagem de vovó Elisa, pode-se comprovar que as temporadas na Europa eram um tédio! Não iam a teatros nem concertos. Uma tristeza, no auge de Paris do começo do século XX. E os impressionistas andavam pelas mesmas ruas! Bem que podiam ter comprado alguns quadros que eram bem baratos na época, ninguém dava valor.

Tia Zila foi pedida em casamento na fazenda. Contava que desde a primeira vez que viu tio Amadeu, na sala de jantar da casa da Brigadeiro Tobias 66, seu coração disparou! Era um homem muito bonito, ela se confessou "encantada": levei três anos pensando em Amadeo. O apelidei de "Fleurange".... Depois do jantar, ouve-se a campainha. A empregada vai abrir e... quando vejo ir entrando Amadeo! Havia meses que não nos tínhamos visto. Ele muito bem vestido, de fraque, com uma boutonnière de violetas dobradas. Confesso, estava lindo, um príncipe de distinção e elegância. Eu estaquei na frente do etagère, ele chegou perto, me apertou a mão e, sem dizer nada, entrou na salinha de visita cuja porta era ali ao lado e onde estava mamãe e muitas visitas. Eu tive uma tontura! Me escureceu a vista..."

Minha mãe, Vangila, escreveu a data na parede do quarto dos meninos. Tia Zila conta no livro: "Vangila corre para cima e, não sei por que, entra no quarto dos meninos e escreve na parede: 18 de Março de 1905. Não sei bem porque escrever ali e não no nosso quarto que era ao lado, tão bonitinho, todo azul..." Quando morei lá, coloquei uma moldura para preservar aquele "anúncio", não existe mais.

Não me lembro se a fazenda chegou a dar lucro no tempo em que trabalhei lá, mas fechava as pontas, se bancava. Depois de três anos, voltei para o Rio e trabalhei como chefe de gabinete do Ministério da Justiça e do Trabalho. Com o fim da guerra, em 1945, os antigos escritórios comerciais do Brasil na Europa, foram reativados. O Plano Marshall injetou muito dinheiro na reconstrução dos países aliados e oportunidades se abriam no leste europeu. João conseguiu uma vaga no escritório comercial em Praga, na Checoslováquia, onde chegou em pleno inverno.

depoimento a Neta Mello - agosto 2009