quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Antonio Aparecido Gallo - o Toninho






jardins e casa da Faz. Santa Cruz

Antonio Aparecido Gallo, o Toninho, nasceu no dia 8 de dezembro de 1951. Tem uma irmã gêmea, Maria e muitos irmãos mais novos.
Toninho e Maria moram há mais de quarenta anos na Fazenda Santa Cruz, parte da Fazenda Paraizo dividida por Beatriz Piza e Lacerda, viúva de Asdrubal Franco de Lacerda. Coube à Toty Lacerda de Figueiredo Mello e Sérgio Figueiredo Mello o trecho da Santa Cruz. Lá começaram a construir nova sede em 1965 que foi sendo ampliada por Toty com o casamento dos três filhos e a chegada dos netos. Um refúgio acolhedor que os onze netos e agregados aproveitaram e aproveitam muito.
Toninho é cozinheiro de mão cheia - faz um rosbife inigualável, uma farofa com pedacinhos de doce de carambola que é uma perdição e o famoso feijão, marca registrada que ficou na memória de todos que passaram pela fazenda! Jardineiro do "dedo verde", contador de causos, fã de Roberto Carlos e Beatles. Tem uma coleção de discos de vinil e gosta muito de conversar sobre música. Mandou por escrito o depoimento abaixo e prometeu escrever mais sobre o tempo em que morou na Fazenda Paraizo, bem pertinho da casa em que mora com a mulher Leni e os filhos Adriano e Adilson.
Toninho tem uma curiosidade nata, gosta de ler e quando diz que aprende coisas até hoje, é muito sincero. Uma pessoa de rara sensibilidade e senso de estética. Sabe consertar tudo o que precisa ser consertado, valoriza a história de cada objeto, cada tigela, travessa, panela da "sua" enorme cozinha. Tem ferramentas para todo tipo de conserto e guarda peças, porcas e parafusos de aparelhos velhos que podem ser úteis para um futuro reparo. Nas férias de julho e janeiro, os netos andavam feito sombras atrás do Toninho. Uma fila para buscar água na bica, voltavam imundos de terra do brejo. Satisfazia todos os desejos: batata frita, mandioca frita, paçoca de carne no pilão, o famoso rosbife, espetinhos de frango e de carne com pedaços de cebola, tomate e o mais que famoso medalhão de filé com uma tira de bacon em volta em "cartoccio" com papel de alumínio. Tem ainda o gnocchi que ele corta no tampo de granito e polvilha com farinha de trigo em duas enormes peneiras de taquara. Antes de ir para a panela, quase metade dos pedacinhos cortados já foram abocanhados por mães e filhos! A cozinha da Santa Cruz é o sonho de quem gosta de ter tudo à mão, ou melhor, no estômago...

Era 1957 quando meus pais vieram morar na Fazenda Paraizo. Éramos só eu, a Maria (irmã gêmea) e o Jair com 3 anos de idade.

Meu pai veio especialmente para trabalhar na lavoura de café que era muito bonita e também na máquina de beneficiar. Lembro-me que os colonos colocavam o café no vagonete que descia até a máquina de beneficiar que ficava mais embaixo. Era muito bonito ver aqueles vagonetes correndo em cima dos trilhos da mureta até a máquina. Que saudade disso tudo!

Na colônia dos pretos, do tempo mais antigo, tinha sobrado uma única casa que estava muito velha. Lá moravam o Calixto, sua mãe Mariana e mais três netos – Paulo, Luiz e Joana. Ficamos amigos, éramos todos mais ou menos da mesma idade.

A Mariana era parteira. Meus cinco irmãos que nasceram já no Paraizo, nasceram todos com a ajuda dela. A Mariana tinha um jeito engraçado de falar. Acho que ela era descendente de escravos. Fumava cachimbo de barro com um canudo de madeira. Quando o canudinho do pito entupia ou quebrava, ela me chamava e falava assim: Nho Quinho, vai pegar outro canudo de pito pra mim, vai... Eu pegava e ajudava Mariana a encher o cachimbo de fumo e até acendia com um tição de madeira do fogão de lenha da casa dela mesmo. Era muito engraçado. Que saudade desse tempo, era tão bom...

As casas da colônia no Paraizo eram boas, já feitas com reboque de areia, cimento e cal, mas não tinha forro nem banheiro dentro. Tinha uma fossa do lado de fora da casa.

Em 1959 entrei para a escola do Paraizo no primeiro ano. Não fui muito bem e fui reprovado e em 1960 fiz de novo o primeiro ano e passei com nota muito boa para o segundo ano com a mesma professora, Dona Liliana Cerqueira Leite. Eu me lembro perfeitamente.

No terceiro ano já fui muito bem. A professora era Dona Edna de Lourdes Campos Bellini que se casou com o Lineu Bellini, dono do açougue onde Dona Toty comprou carne por muitos anos.

Passei para o quarto ano que só funcionava na cidade, mas não pude continuar porque era muito difícil ir para a cidade. Não tinha como ir e também minha família aumentava sem parar! Eu já tinha 11 anos. Fiz a 1a Comunhão na capela da fazenda que era a escola e logo comecei a trabalhar ajudando na colheita de café.

Ao lado do terreiro tinha um cafezal novo, foi a primeira colheita. Sr. José nos chamou, o café era medido por litro. Quanto mais a gente colhesse mais ganhava. Eu gostava muito desse serviço e ajudava na minha casa com o que ganhava.

Como contei, a escola da fazenda era a capela ao lado do casarão. Éramos umas trinta crianças ao todo na classe. A professora vinha de charrete com capota de lona. O cocheiro era o Luiz Vigatti que a gente chamava de Lilão. Ele buscava a professora na Vila Néri e levava de volta após as aulas. Na hora do recreio, nós brincávamos de esconde-esconde em volta da escola e também de passa-anel que era uma brincadeira muito legal. Sr. José dava lanche para todos na escola – leite batido com banana bem gelado, uma delícia!

Por volta de 1960, Sr. José Lacerda começou a reformar todas as casas da colônia e pôs forro de madeira, fez banheiro dentro, com sanitário e chuveiro elétrico. Aí sim ficou uma beleza!

No Jabaquara tinha a olaria. Funcionava na beirada do rio para fazer tijolos. O barro era recolhido ali mesmo no brejo e levado para o amassador que era manual. Duas pessoas giravam até dar o ponto. Depois o barro era colocado na forma e ia para o forno bem quente para queimar. Isso era muito bonito, mas logo a olaria parou de funcionar, não sei por que.

A serraria era muito legal, mas as crianças não podiam ir lá, o Zé Mion, o administrador, não deixava porque era perigoso. O filho dele era marceneiro e fazia os móveis da fazenda. Muita coisa bonita.

Os cafezais da fazenda eram muito bonitos. No tempo de colheita, todo pessoal da colônia trabalhava – homens, mulheres – todos protegidos por roupas longas e chapéu de palha.

Em todas as casas da colônia tinha forno e fogão de lenha. Era muito gostoso no tempo frio quando a gente subia em cima da mesa do fogão para se esquentar.

No casarão, o Alécio era o jardineiro. Ele também marcava a hora de começar e terminar o serviço na fazenda. Batia o sino de manhã à 6 horas, depois às 9 que era hora do almoço. À 1 hora da tarde tocava para o café e à 5 horas pra terminar o dia.

O Edmundo levava o leite na carrocinha de quatro rodas todos os dias de manhã.

Ficamos no Paraizo de 1957 até 1964. No final desse ano, ouvimos falar que a fazenda ia ser dividida em três partes. O Zé Mion que era o administrador, começou a separar também os empregados para cada uma das três novas fazendas. Foi assim que viemos morar na colônia que passou a pertencer à Fazenda Santa Cruz de dona Toty.

Em 1965 construíram a casa sede da Santa Cruz e quando ficou pronta, por volta do mês de junho, a Maria e eu começamos a trabalhar na limpeza e arrumação. Dona Toty sempre organizando tudo para as férias de julho que estavam próximas. Ela nos ensinava também a fazer arroz, feijão, batata frita. Era divertido fazer isso. Eu também comecei o serviço do jardim, sempre aprendendo tudo com a patroa, fui gostando cada vez mais. Acho que até hoje aprendo coisas! Foi o primeiro trabalho com carteira assinada da minha vida - por Dona Toty e Dr. Sérgio que me ensinou tudo que eu sei fazer sobre eletricidade. Aprendi muito e sou eternamente grato ao casal.

Ainda me lembro de alguns nomes de tantas famílias que moraram na Santa Cruz. A do José Tiaci, do Antonio Zambom, do Formentão, do Zaboto, do João Romano (continuar)

De todas as famílias que aqui moraram, a do Napolitano foi a que ficou mais tempo. Eu adorava conversar com ele por causa do sotaque italiano. Muitas vezes eu não entendia nada, acho que era um dialeto. Aqui na Santa Cruz, já aposentado, ele passou a cuidar de uma horta que ele mesmo plantou. Tinha alface, cenoura, couve, salsinha, abobrinha, mandioquinha para a sopa das crianças, netos da Dona Toty em época de férias.

O Napolitano era muito divertido. Fumava cigarro de palha muito forte, a gente ficava até tonto de sentir aquele cheiro! O engraçado é que ele colocava o cigarro atrás da orelha para mexer na terra da horta e depois esquecia e ficava um tempão procurando feito louco...

Aos domingos à tarde, eu ia ao cinema. O Cine São Carlos ficava na Praça Coronel Sales. Eu adorava os filmes do Tarzan, era muito legal! Não deviam ter demolido o prédio do cinema, era uma coisa maravilhosa da nossa cidade. Ao lado tinha o Bar do Maneco onde íamos tomar sorvete de groselha. Que delícia que era!

Entre 1960 e 1964, japoneses arrendaram as terras da baixada, na beira da estrada de ferro do trenzinho Maria Fumaça, como nós chamávamos. Era tão bonita aquela máquina puxando um monte de vagões transportando o café das grandes lavouras de toda a região. Não sei direito para onde ia aquele café.

Fomos trabalhar para os japoneses na colheita de tomate, pepino, nabo, cenoura. Na hora do nosso almoço às vezes dava certo de o trenzinho passar e a gente jogava os tomates estragados nos vagões... Era divertido, uma arte de moleque! Tenho saudade de tudo isso e também das broncas que a gente levava dos japoneses, Sr. João Ottani e Paulo Cavaniti. Não me lembro se era um dos irmãos que não conseguia falar os nomes da gente, então demos o apelido de “Não Sei” e ele ficou conhecido por esse apelido.

Os amigos dessa época eram o Luiz Vigatti (Lilão), o Benedito (Ditinho), o Ademir Aguiar ( Demizão), o Hélio Luiz ( Luizão), o Paulo (Paulão), o Adão, a irmã Maria Cecilia, a Eva, o Felix, filho do japonês. Íamos todos juntos para a cidade nos fins de semana e feriados - a pé ou de bicicleta - era muito legal. Sempre tinha quermesse na igreja do Educandário e parquinho no balão do bonde da Vila Neri. Era muito divertido. Lembro que a gente pedia músicas e ouvia nos alto falantes dos postinhos do parque. Tinha que pagar para tocar a música preferida, mas era muito legal. Pena que hoje não existe mais essas coisas boas, infelizmente. Aproveitei muito a época da Jovem Guarda.

Conversávamos sobre músicas e cantores como Celi Campelo, Roni Cordi, Vanderléia, Roberto Carlos, Edi Carlos, Paulo Diniz, Vanderlei Cardoso, Martinha, Erasmo, o tremendão e os Beatles. Cantávamos as músicas de todos esses caras. Um queria cantar melhor que o outro, era uma alegria total. Nesse mesmo tempo, por volta de 62, 63 também era sucesso a música do bicampeonato do Brasil do Jackson do Pandeiro. Como se dizia, estava na boca do povo direto: "você vai ver como é Didi, Garrincha e Pelé dando seu baile de bola..."

Minha paixão por música começou com um tio, irmão de meu pai que também gostava muito de arranhar o violão e cantar alguma coisa da época, principalmente do Roberto Carlos que estava começando a fazer sucesso com as primeiras músicas, como "Louco por Você", "Olhando Estrelas" e "Parei na Contramão". Meu tio comprou um livrinho de músicas para aprender as letras melhor e nós ficávamos cantarolado as músicas. Eu passei a gostar ainda mais de música e ele me deu um compacto simples do Betinho e seu conjunto com a música "Neurastênico". Até hoje eu tenho o disquinho e passei a comprar mais discos e também ganhar de presente de amigos e parentes. Parte da minha discoteca, ganhei da família Mello, para quem eu trabalho até hoje com muito gosto.

O bondinho da Vila Neri até a estação era muito legal e hoje não existe mais. Eu me lembro dos armazéns da época como o Pizzani, o Mario Dotto (Migalhatto) que ficava na Avenida São Carlos. Meu pai fazia compras lá. Uma quantidade muito grande de mantimentos como arroz, açúcar, feijão, farinha de trigo, fubá, batata, sal - tudo pago mensalmente! Seria impossível para mim viver em outro lugar. Aqui é meu chão, o meu Paraizo!


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