terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Fazenda Paraíso – São Carlos – 150 anos de história


mapa da região de São Carlos - a fazenda Paraizo aparece com o nome Fazenda Lacerda (para ver detalhes, clique no mapa)
casa das máquinas e pontilhão dos vagonetes
sala da lareira
parede de taipa da tulha - Fotografias de Paulo Pires


Fazenda Paraíso – São Carlos – 150 anos de história

Profa. Dra. Maria Ângela P. C. S. Bortolucci

mariacsb@sc.usp.br

Departamento de Arquitetura e Urbanismo – EESC/USP


A fazenda Paraíso está localizada no município de São Carlos, distando poucos quilômetros da cidade. Aparece no mapa da Comissão Geographica e Geológica do Estado de São Paulo – folha Rincão, de 1926, com o nome de fazenda Lacerda, mostrando a projeção de três construções no conjunto da sede e, bem próxima a este, a projeção de mais quatro construções em fila que, certamente, seria uma colônia (Comissão, 1926). Todo este conjunto está a pouca distância da Estação Floresta, à margem do ribeirão dos Negros, do ramal de Água Vermelha da Companhia Paulista de Estrada de Ferro, que ligava São Carlos a Santa Eudóxia, num trajeto sinuoso por exigência da topografia e da necessidade de atender aos fazendeiros importantes da região. Suas terras, no início da ocupação, nos primeiros anos do século XIX, faziam parte da sesmaria do Quilombo, constituída pelo vigário de Piracicaba Manoel Joaquim do Amaral Gurgel que, já em 1812, vende-a juntamente com as benfeitorias realizadas. Em poucas décadas esta gleba troca várias vezes de proprietários, levando ao parcelamento e à formação de várias fazendas, cujos proprietários foram os responsáveis pelo rápido crescimento e ocupação desta porção do território paulista. Foi nesta onda pioneira que os Lacerda chegaram, há precisamente 150 anos, e se instalaram na região.

No Almanak da Província de São Paulo para 1873, na parte dedicada ao Município de São Carlos do Pinhal (LUNÉ, 1873, p.539-542), encontramos o nome de Antonio Franco de Camargo Lacerda & Irmão, na lista das 55 propriedades dedicadas ao plantio de café. Vale destacar que, além destes fazendeiros, o almanaque também inclui uma lista de 10 fazendeiros de cana de açúcar, que seriam as duas principais culturas do município naquela época. Este dado confirma o engajamento dos Lacerda na principal atividade econômica – o plantio de café – que estava em plena expansão na região naquele momento, mesmo antes da chegada da ferrovia em 1884.

O Almanaque de 1893, na seção que apresenta a “Divisão do Município em Quarteirões”, entre outras propriedades, é mencionada a fazenda de “Lacerda & Irmão”, localizada no 23º Quarteirão denominado Bairro do Monjolinho (AUGUSTO, 1894, p.20). Esta propriedade aparece novamente no mesmo almanaque, na relação dos “lavradores” (AUGUSTO, 1894, p.144). No Almanach de São Carlos para 1915 e no Almanach-Album de São Carlos 1916-1917, na relação dos fazendeiros do município de São Carlos, já consta o nome de Candido Franco de Lacerda relacionado ao “immovel” Paraíso, localizado no bairro Floresta, com uma plantação de 350 mil cafeeiros. E no Almanach Annuario de São Carlos de 1928, Candido Franco de Lacerda está incluído na relação dos fazendeiros com uma produção ampliada para 355 mil pés de café.

As instalações remanescentes que formam a atual fazenda Paraíso, apesar das alterações, ampliações e perdas, estão impregnadas das marcas de seu passado. São testemunhos materiais das histórias, das crenças e do cotidiano das gerações que habitaram cada pedaço, cada canto, destas edificações: o casarão, as tulhas, o terreiro... O casarão (erguido no final do século XIX em substituição ao antigo, demolido em 1897) é certamente o melhor exemplo desta capacidade de adaptação para se ajustar a novas necessidades e, talvez, seja por esta razão que conseguiu sobreviver até os tempos de hoje. Preserva-se a matéria, na mesma proporção que detém um valor familiar inestimável, alimentado pelas emoções e sentimentos de todos que por ali passaram. Há neste lugar uma aura de especial encantamento que tanto nos impressionou e que foi maravilhosamente captada pelas lentes do fotógrafo Paulo Pires que nos acompanhou em nossas visitas, em 1987, para realizar levantamentos que incluíam uma seqüência de fotografias dos espaços internos e externos das edificações, de detalhes construtivos, da paisagem etc.. Naquela ocasião estávamos iniciando nossos estudos sobre a arquitetura rural e urbana, os modos de vida, do século XIX e das primeiras décadas do século XX no interior paulista (posteriormente, foram realizados estudos mais ampliados deste patrimônio rural dos “Campos de Araraquara” por Benincasa e publicados em 2003). Fomos muito gentilmente recebidos pelo senhor José Lacerda, o proprietário da fazenda naquela época, que abriu as portas de sua casa para que fizéssemos nossos registros. Vale lembrar que ele se impressionou particularmente com as fotografias do senhor Paulo Pires a ponto de solicitar uma seqüência exclusiva.

É verdade que este conjunto de fotografias atesta o hibridismo de influências de gosto e de técnicas construtivas que foi uma das características do século XIX nesta região. A tradição mineira de construir, executada pelos escravos, presente nas edificações mais antigas convive com o saber fazer dos imigrantes estrangeiros. Nestas construções percebemos o intensivo uso da madeira, seja nas esquadrias, nos pisos ou nas estruturas dos telhados. O barro é matéria prima essencial, sempre, mas, o tijolo passa a prevalecer sobre a taipa. Foi rápida a assimilação das novidades por esta sociedade que se enriqueceu com o dinheiro do café e pode trazer todo tipo de modernização para seu cotidiano, tanto para produção de café, como para dentro do lar e para as áreas adjacentes à casa do fazendeiro (jardins, pomares, hortas etc.), compondo lugares inesquecíveis que foram tantas vezes objeto de relatos minuciosos dos antigos viajantes. Os autores Benincasa (2003) e Maluf (1995) incluem, em suas respectivas publicações, valiosas informações da fazenda Paraíso, oferecendo ricos detalhes de seu cotidiano, no final do século XIX e das primeiras décadas do século XX, através dos diários de Brazilia Oliveira Franco de Lacerda, filha de Elisa e Candido Franco de Lacerda. Vale destacar que a capa do livro de Benincasa é uma bela imagem dos jardins da fazenda Paraíso. De fato, este patrimônio rural é dotado de lugares paradisíacos e a fazenda Paraíso, sem dúvida, é um deles, fazendo jus ao nome que lhe foi dado. Graças aos cuidados da família Lacerda, que se mantém sua proprietária até os dias de hoje, esta fazenda alcança seus 150 anos de idade preservando-se com graça e elegância.

São Carlos, 06 de dezembro de 2009


Referências

BENINCASA, Vladimir Velhas Fazendas: arquitetura e cotidiano nos Campos da Araraquara. São Carlos, EdUFSCar; São Paulo, Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2003.

CAMARGO, José Ferraz ed Almanach Annuario de São Carlos de 1928. São Carlos, 1928.

AUGUSTO, Joaquim ed Almanach de São Carlos. São Carlos, O Popular, 1894.

CAMARGO, Sebastião org Almanach de São Carlos para 1915. São Carlos, Typographia Joaquim Augusto, 1915.

CASTRO, Franklin org Almanach-Album de São Carlos 1916-1917. São Carlos, Typographia Artística, 1916-1917.

Comissão Geographica e Geológica do Estado de São Paulo – Folha Rincão, 1926 (mapa escala 1:100.000).

LUNÉ, Antônio José Batista de Almanak da Província de São Paulo para 1873. São Paulo, Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 1985.

MALUF, Marina Ruídos da Memória. São Paulo, Siciliano, 1995.

6 comentários:

  1. SÃO PAULO, 01 de Outubro de 2010


    QUERO COMUNICAR QUE TRABALHEI E MOREI NESTA FAZENDA ( PARAISO ) MEU NOME - JOSÉ HIPÓLITO, FILHO DE RAFAEL HIPÓLITO ( ja falescido ) o mesmo trabalhou como casareiro no ano de l945, na casa de dona Beatriz e do Dr. ASDUBA
    essa faze da minha vida foi muito marcante até nos dias de hoje não esqueço dos momentos bons que tive na minha infancia vivendo nesta fazenda, lembro-me da srª Toti e a srª Luli participei das festa de SãoJoão ao qual elas distribuiam fogos de artificio e docês para as crianças ao qual uma dessas crianças era eu.
    lembro-me do Manoel e do cachorro Japi ao qual eu brinquei muito .
    recentemente estive ai na fazenda no ano de 2008, tenho uma filha enfermeira Raquel Hipolito, que trabalha no hospital Osvaldo Cruz, ela cuidou de Dona Beatriz, que ao conversar com minha filha enfermeira falando onde residia descobriu-se que aquela senhora hospitalizada era a Patroa do meu pai Rafael
    sendo assim pude atraves dela visitar a fazenda.
    gostaria de retornar como visitante na fazenda e poder conversar com pessoas que ainda residem lá. se for possivel por favor me retorne será um imenso prazer poder estar lá mais uma vez. hoje estou com 75 anos de idade mais lembro-me perfeitamente de recordações agradáveis.
    sem mais, agradeço esperando um retorno
    por favor mandar pelo E-mail de minha filha
    marciahipolitodacunha@yahoo.com.br

    José Hipolito.

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  2. Boa noite,

    Meu nome é Rubens e localizei esse blog em algumas buscas pela internet no qual estou tentando descobrir sobre "A Fazenda de Candido Franco Lacerda" que foi destino de minha avó e bisavós por volta de 1916-1917 creio.

    Segundo a certidão de desembarque, o destino era:

    FLORESTA, Fazenda de Candido Franco Lacerda.

    A origem dos meus familiares é de ROSARIO/Argentina.

    Minha dúvida é se a Fazenda Paraizo é essa tal de fazenda no qual tenho no documento e se nessa época receberam trabalhadores vindos da argentina ou de origem judaica.

    Ficaria agradecido com a informaçao.

    Meu contato é: rrodriguesrr@live.com

    Att,

    Rubens Rodrigues

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  3. Meu nome é Jorge, fui á fazenda Paraizo a trabalho por uma empresa de segurança que presta serviço la, e conheci uma Srª, a Beatriz uma pessoa muito simpática e o lugar é realmente um paraizo.
    Não sei se é superstição mas eu ja sonhei que estive nesse lugar alguma vez e por coincidencia conheci e vi que esse lugar existe, estou muito lesongeado por isso, e a srª Beatriz foi um grande prazer em conhece-la.
    A Srª Beatriz para lembrar sou o Jorge e converssamos sobre viagens e Cidadania Italiana.
    um grande abraço a familia, fiquem com Deus.

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  4. Minha avó nasceu em São Carlos em 1906, conforme indica sua certidão de nascimento, eu me lembro do final do nome do dono da fazenda Moraes Sales. Meu avô chamava-se Antonio Monteverde, não cheguei a conhecer gostaria de saber se existe registro dos italianos que foram trabalhar nestas fazendas e o registro das crianças que ali nasceram, pois através disso quem sabe eles tenham até algum documento com foto deles na época. Se puder me ajudar agradeço muito. Obrigada Rosa Roque
    Meu e-mail para contato: rosamaria_nurse@hotmail.com

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  5. Hoje peguei os documentos de minha avó, e na certidão de nascimento dela consta, que ela nasceu em 19 de outubro de 1906 na Fazenda do Engenho Novo de Reginaldo Moraes Sales, que nome tem hoje essa Fazenda? Será que em algum lugar eu encontro dados sobre os imigrantes que lá trabalharam? Obrigada

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  6. Bom dia...
    A dias atrás, fiquei sabendo que, meu bisavô, quando veio de Portugal, o seu destino estava como Fazenda Paraíso, porém, como somos de Vargem Gde. do Sul, não sabemos ao certo se, realmente na sua chegada ao Brasil, ele e seus pais, foram para aí. Teria como eu pesquisar, a fazendo tem algum acervo de trabalhadores imigrantes que chegaram no ano de 1907? Alguém poderia me dar uma luz? Muito obrigado.....

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